sábado, 2 de abril de 2011

Texto de Laurinda Alves

Oceano Pacífico

"Há anos sem fim que oiço, naquele lugar, a mesma voz tranquila falar no mesmo tom, usando as mesmas pausas de sempre. O prodígio tem um nome e um efeito incrivelmente pacificador. O barulho das ondas com música em fundo contagia e transporta-nos imediatamente para outro tempo e outro espaço. A voz branda e grave de João Chaves atira-nos para um passado remoto, uma idade em que a vida se vivia de outra maneira e nada nem ninguém podia adivinhar o rumo que teria.

Lembro-me de ouvir aquela voz de culto quando tinha dezassete anos e, depois, de forma mais avulsa aos vinte e, uma vez por outra, aos trinta. Não sei há quantos anos existe o Oceano Pacífico mas, se me perguntassem, diria desde sempre. Não imagino como seja o João Chaves pois nunca consegui dar uma cara àquela voz nem uma imagem àquele som que, para mim, mudam conforme os estados de espírito . A voz e a música de João Chaves são uma espécie de banda sonora de longa metragem. Acompanham o filme inteiro de uma vida. Da nossa vida.

O som do genérico é tão aconchegante como o sótão de madeira de casa de uma avó onde ficam guardadas para sempre as fotografias de família, os fatos antigos e todos os tesouros da nossa infância. A voz que anuncia as músicas e pontua as noites soa infinitamente familiar e tudo parece tão perfeito àquela hora que nos esquecemos que estamos a voltar. Que o melhor vai ficando para trás.

Não sei bem se gosto de todas e cada uma das músicas que passam no Oceano Pacífico mas também não me parece importante saber. O programa vale, acima de tudo, pela conjugação daquela voz inconfundível e daquele som envolvente. Durante um par de horas o carro pode deslizar pela estrada sem nos darmos conta. Não há cansaço, não há nostalgia, não existe nada para além do momento."

in Revista Pública, 10 de Setembro 2000

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